Labels

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O verde Profundo




Desta viagem que fiz a Amazonia, conheci o Miguel, um senhor cheio de prosa que adora contar histórias e sabe muito de floresta, afinal é um caboclo!
Vou postar aqui, alguns capítulos do livro que ele está escrevendo pra ficramos com água na boca!
Além de escrever ele faz expedições por dentro da floresta com seu barco, levando chineses, japoneses, suiços e outros cidadãos do mundo interessados em conhecer as belezas de nossa floresta.





"O Verde Profundo

por miguel rocha



Prologo





Cedo aprendi que quem tem uma história bonita para contar, sempre vai ter alguém para escutar.



Esta e a história da minha família. Começa em 1874, com a chegada do meu avô ao Brasil, procedente de Portugal, com 25 anos de idade. Estabeleceu-se em Recife e, do casamento com Rosa Pimentel Pêgo, nasceram 3 filhos e uma filha. Mudaram-se para Icó, sertão do Ceará, tornando-se fazendeiros. Foram duramente castigados pela seca que durou muitos anos, naquele final do século XIX. Morreram as plantas, os animais, o rio e o poço. Meu avô resistiu. Então morreu minha avó. Vencido, meu avô escolheu os seringais do Amazonas como a Terra da Promissão. Confiou Júlia, sua única filha, aos cuidados das freiras do mosteiro de Olinda. Com os três filhos, ainda pequenos, José Maria, o mais velho, João Maria e o caçula, Malaquias, 4 anos, seguiu para o distante El Dorado. Ficaria rico com os negócios da borracha e voltaria para buscar Júlia.



A travessia do sertão até Fortaleza, a pé e em lombo de burro, durou 34 dias de incertezas e sofrimentos. A sede e a fome foram companheiras sempre presentes. Viajando de navio até Belém, aí permaneceu a espera de outro navio que o conduziria a Santarem. Havia poucos barcos e muitos aventureiros que se destinavam ao Amazonas, todos com o mesmo sonho de enriquecimento fácil.



O Canal de Panamá estava sendo concluído, dispensando empregados, na sua maioria

Caribenhos, somando-se estes ao contingente que fugia do sertão, para se aglomerar nas praças de Belém, à espera de um transporte para Manaus ou de uma vaga no quarto de um hotel. Havia ainda os procedentes de outros países, comerciantes, aventureiros e funcionários do governo. Belém não dispunha de hoteis suficientes, dificultando a vida dos emigrantes. Uma recente epidemia de cólera, já dominada, ainda estava presente no medo estampado no rosto de cada pessoa.



Depois de uma jornada que durou muitos meses, finalmente meu avô se estabeleceu em Coari, no rio Solimões. Cometeu um crime ao revidar uma agressão e fugiu para Manaus, remando nove dias numa canoa desobediente, que recusava seus comandos. Enfrentou os mosquitos, os raios do sol tropical inclemente, tempestades e o mêdo de ser prêso pela polícia. Chegou a Manaus e, sob a proteção dos conterraneos, seguiu para Portugal, de onde nunca voltaria.



Júlia foi esquecida em Olinda. Os meninos, abandonados, tiveram que sobreviver na floresta. Paradoxalmente, o mesmo rio que os livrou da morte pela sêde, muitos anos depois, cobrou seu tributo: José Maria morreu afogado, quando uma tempestade o surpreendeu na sua canoa, atravessando o lago de Coari.



Hoje, 26 de dezembro de 2008, olhando o mapa da região de Coari, leio a denominação de uma propriedade rural: Fazenda Santa Rosa . Suponho ser esta a homenagem póstuma do meu avô à sua amada mulher, sepultada no sertão do Ceará.



Enfim, a minha história tem fantasías mas está sempre com suas bases sobre a verdade e fatos ocorridos nos seringais e na vida dos ribeirinhos dos rios da Amazonia. Cada capitulo e fruto que demorou amadurecer, muitas vezes revisado.O livro que transporta meus personagens e o mesmo barco que transporta meus leitores, numa jornada em todo o rio Amazonas, sentindo o cheiro de vapor dos cansados motores primitivos e observando, do convés, as pinceladas do verde da mata que desfila nas margens do grande rio, a mais de 100 anos atrás. Sua carga, sonhos e homens miseráveis cheios de esperança.



Sejam bem vindos a bordo deste livro. E me perdoem se, no final da viagem, descobrirem ter desperdiçado seu tempo.



Meu nome e Miguel Rocha da Silva, filho mais novo de uma grande família. Não cheguei a conhecer todos os meus irmãos, pois muitos morreram antes de eu nascer.

Nasci no planeta terra. Nasci no meio da Selva Amazônica. Nasci no seio de uma família pobre. Eu não escolhi. Não tive chance de escolha. Mas se tivesse, essa seria a minha preferência. O meu destino acertou .O meu planeta e o mais bonito do sistema solar. O lago do Manaquiri, onde nasci, e o mais bonito do Amazonas. A família que me concebeu, não poderia ser mais nobre na sua conduta e no seu carater, do que muito me orgulho. As ondas do rio embalaram a canoa que me serviu de berço, enquanto minha mãe lavava a roupa nas

suas margens. O canto dos macacos guariba, mesclado com mil sons do canto dos passarinhos, me induziram ao sono, debaixo dos galhos da árvore que me amparava com sua sombra. Eu e os meus irmãos, todos, vivemos a maior parte das nossas vidas no ventre da Floresta Amazônica. E por isso que meu sangue e verde. Tem o cheiro da clorofila.



Nasci em 1940, no ultimo dia do mês de outubro. Por isso sou do signo de escorpião, sendo o ultimo filho da grande família Malaquias. Trabalhei na indústria e no comércio e, a partir de 1981 começei a liderar expedições nos mais remotos lugares da nossa região. Meu primeiro barco – Anaconda - tomou parte na expedição de Jacques-Custeau durante 18 meses. Organizei e fiz parte da Blakexpedition que infelizmente terminou em tragédia, em Macapá, onde Sir Peter Blake foi assassinado por piratas no dia 5 de dezembro de 2001. Eu havia deixado a expedição 3 dias antes, dia 2 de dezembro. Participei da logistica da produção de varios filmes, incluindo-se o longa metragem Amazon Abyss, da BBC, exibido na Inglaterra em 2005, com grande sucesso e posteriormente exibido no Brasil pelo canal Animal Planet. Porem, a mais difícil aventura, talvez meu maior desafio, tenha sido dar suporte logístico ao maratonista esloveno, Martin Strel, quatro vezes mencionado no Guiness Book. Nadou toda a extensão do Rio Amazonas, desde Athalaya, no Peru, até Belém do Pará, no Brasil. O filme dessa aventura – Big River Man - foi lançado em Nova York em novembro de 2009, nos Estados Unidos. O correspondente livro, The Man Who Swam The Amazon , foi publicado no final de 2007.



O Verde Profundo, alem de preservar a historia da família, denuncia a forma desprotegida da vida dos “Caboclos, o desconhecido Povo da Floresta”. E tem como objetivo ganhar dinheiro e transformá-lo em árvores plantadas em áreas de reflorestamento, através da Fundação Almerinda Malaquias, estabelecida em Novo Airão. Almerinda era o nome da minha mãe, a cabocla que Malaquias, meu pai, escolheu como esposa. Ela jamais aprendeu a ler ou escrever. Gerou 18 filhos, ai incluídos dois abortos, sendo eu o último e o único dos filhos homens a ter acesso à escola. Casaram-se em Coari, em 1911. Meus pais viveram juntos toda vida e construíram nosso lar com uma solida base moral para seus filhos. Minha mãe faleceu em 1960. Meu pai, em 1967. O nome da fundação e uma homenagem póstuma a eles e a busca de uma resposta para os meus anseios: ate quando estes povos da floresta serão ignorados?



Ao escrever este livro, sabia estar pisando no terreno escorregadio dos escritores, palco onde jamais tinha posto meus pés. Mas como posso contar minhas historias verbalmente, por que não as posso contar por escrito? Então comecei a escrever, contando com o incentivo de muitos amigos.



Quando ainda menino, vim para Manaus, para estudar. Minha prima Alba Rocha foi minha protetora e meu Anjo da Guarda. Cuidou de mim com se fora seu próprio filho.O filho que jamais concebeu, pois dedicou-se a carreira religiosa, tornando-se freira. Seus pais, Maria e João Rocha, meus tios, me deram abrigo e a atenção de que precisava, como crianca.



Quando chegou o meu primeiro Natal na cidade, botei o meu primeiro sapato debaixo da rede e na manhã seguinte descobri que nada de presente havia dentro dele. Era mesmo verdade o que eu ouvira de outro menino: Papai Noel não gosta de meninos pobres. Principalmente se seus pais estiverem desempregados.



Depois estudei no Seminário São Jose, espécie de mosteiro dirigido por padres Salesianos. O reitor era um alemão, Padre Hernan Schilp. Havia padres estrangeiros e brasileiros. O Padre Eduardo Lagorio, italiano, foi meu professor de geografia e de latim e terminou seus dias no Alto Rio Negro, envolvido na catequese dos índios da região de São Gabriel da Cachoeira.



Nas aulas de catecismo e religião, aprendi sobre um Deus todo poderoso, generoso e também vingativo, que pune os pecados com rigor, sendo o inferno a maior punição. A religião condena a idolatria, mas reverencia imagens de santos, feitas de madeira, e sai com elas em procissão, pelas ruas das cidades. Diz que comer e beber, para matar a fome e a sede, não e pecado. Mas comer muito é pecado. Aprendi que só o arrependimento e a confissão nos podem redimir.



Quando jovem, trabalhei como auxiliar de carpinteiro naval, tradição da família Malaquias. Mas a mecânica de motores a explosão foi uma paixão a qual me dediquei, durante algum tempo, para ganhar dinheiro e ajudar nas necessidades de casa . Finalmente fiz o Serviço Militar em Manaus e em Belém do Para. Quando voltei a Manaus, minha mãe tinha falecido na minha ausência. Foi muito triste voltar para a pequena casa de dois compartimentos onde apenas eu, meu pai e minha mãe morávamos. Era uma das casas mais pobres e na ultima rua do Bairro da Gloria.



Entrei em casa sabendo que não encontraria minha mãe. Um grande vazio me acompanhava naquele momento. Meu pai me aguardava. Abracei-o e recebi sua bencão. Foi um momento tenso, de muita emoção. Quase não falamos, apenas nos abraçamos. A cama da minha mãe estava vazia. O lençol que eu lhe oferecera de presente, agora inútil, repousava sobre uma prateleira a espera de um destino.



Numa noite de domingo fui a missa na igreja de Nossa Senhora da Gloria. Conheci a garota mais bonita do bairro. Morava na rua principal. Era filha de oficial do exercito e eu era apenas um simples cabo, esperando promoção para sargento. Ela morava num lugar privilegiado da Avenida Eurico Dutra. Eu, na ultima e quase inacessível rua, cheia de buracos. Ela, filha de oficial militar. Eu, apenas filho de um obscuro seringueiro. Adélia bem que poderia escolher o jovem mais bonito do lugar, filho de alguém com uma boa conta bancária. Mas me fez uma concessão: deixou que me apaixonasse por ela. Depois de dois anos de namoro, decidimos casar, embora não conhecesse a dimensão do meu amor, nem tivesse muita certeza do que era aquilo que sentia por mim. Mas eu prometi conquistá-la e ainda continuo tentando.



Entramos no casamento como quem entra num barco a navegar pelo Rio Amazonas. Sabíamos que suas águas nem sempre são calmas. Mas prometemos não abandonar o barco quando chegassem as borrascas. Nuvens escuras surgiram no horizonte, nuvens negras pairaram sobre nossas cabeças, mas não abandonamos o barco. Procuramos abrigos e esperamos as tempestades passarem e que o rio voltasse ao bom humor.



Seu pai havia morrido no mesmo ano do óbito da minha mãe. E quando casamos, me tornei membro de uma família especial. Antonieta, minha sogra, viúva precoce, mulher muito bonita, optou por se manter viúva o resto da vida. Preferiu dedicar-se aos cuidados com os filhos. Pessoa generosa, sem nenhum defeito, não poderia ser melhor. Meus cunhados, Marival, Marimar e Murilo, este ainda muito criança, me aceitaram de bom grado e formamos uma nova família, vinculados por uma amizade duradoura.



Em dezembro de 2009 completei 48 anos de casado. Casei apenas duas vezes. Com a mesma mulher. Uma vez no Cartório, pela lei dos homens. Outra vez na Igreja Católica, pela lei de Deus. Do nosso casamento nasceram três filhas e um filho. Márcia, Mauro, Mara Monica e Marta, conforme a ordem de nascimento. Todos nos encheram de alegria e foram recebidos como as bênçãos que todos os casais gostariam de receber. O Mauro chegou no Dia de Natal. Um presente de Papai Noel, que finalmente se lembrou de mim, mesmo sem que eu tenha posto o meu sapato debaixo da cama.



Fomos premiados, pois todos nossos filhos nasceram sãos de corpo e de mente. São filhos carinhosos, sempre presentes nas nossas vidas, enchendo-nos de atenções, preocupados com o nosso bem estar."

amanhã posto mais .....

Um comentário:

  1. MUITO MUITO MUITO LEGAL! achei super interessante!
    Sr. Miguel, você ja conseguiu um fã! e mais um, com certeza de muitos, leitor do seu livro.

    ResponderExcluir

No item "Comentar como", se vc tiver conta hotmail, vc poderá escolher usuário GOOGLE, ou escolha ANONIMO e assine normalmente.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails